Meu mundo e nada mais

Por alguém que saiu do mundo da religiosidade

Vivia no meu mundinho perdido, vazio, sem sentido algum e corria atrás da felicidade sem percebê-la bem perto de mim, dentro de mim… Até que Deus tratou comigo, se apresentou a mim e docemente invadiu minhas vontades tomando conta do meu ser. Foi aí que pensei ter “aceitado” a Jesus (mas Ele que me aceitara antes da fundação do mundo). O fato aconteceu em uma igreja evangélica e então passei a viver sendo educado, discipulado e vigiado pelos meus líderes que tanto admirava – começava nesse instante a construção de um novo mundo: o “mundo” das vitórias, dos dons, das curas, o “mundo” da fuga do próprio mundo. Sempre pisando na cabeça da serpente, sendo sempre cabeça e não calda, e quase nunca andando em lugares baixos… Carcaça e costumes trocados: vestimentas, linguagem, locais, amigos, gostos… Iniciava-se a odisséia espiritual, a busca pelo “admirável” mundo dos crentes.


Os anos se passaram e de já tão pesado o fardo do meu “santo mundo” já não conseguia mais sair do lugar. Vivia me arrastando atrás das fantasias ditas no púlpito além de engolir sapos e mais sapos sob a ameaça de punição divina por se opor aos ungidos de Deus. Entretanto as construções das restrições e diabolizações da vida comum já não correspondiam ao que percebia no dia-dia. A espiritualidade tão presente nos dons de línguas, profecias, revelações e cultos fervorosos ofuscavam os desvios de caráter dos amados da eclésia. Mas meus olhos se abriam. Eu já via o que as suas performances não escondiam.


Pastores que pregavam o perdão, mas que jamais perdoavam, pregavam os céus, mas eram apaixonados pelo luxo; “levitas” que adoravam com canções na frente do culto, mas se sujavam no testemunho em seus locais de trabalho; gente de todo o tipo que apedrejava os fracos na fé, mas que como uma ostra religiosa escondia seus mais íntimos vícios de pecados domesticados – uma igreja cheia de doentes que se comportavam como seres superiores e privilegiados por verem em Deus um reduto de bênçãos materiais. Neste “mundo” havia lobos, joios, falsos véus, que tentando encobrir seus lados malignos fizeram da igreja um ambiente perigoso onde ao invés de pessoas serem curadas e tratadas espiritualmente, por vezes acabaram sendo feridas pelo resto da vida.


Hoje não dá mais pra mim, a essas alturas o primeiro amor que tanto me poupou na conformidade com o sistema religioso agora me desperta para uma nova fase espiritual, a fase da graça, da liberdade, da intimidade verdadeira, não mais com a igreja e seus dogmas, mas com o meu Jesus. Depressa, o que mais quero é entrar no escuro do meu quarto secreto, falar a sós com o meu Deus e encerrar os segredos entre nós; quero me encontrar no meu mundo, pois é nele que reconheço as minhas imperfeições, a minha pequenez e a infinita grandeza do Senhor.


Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
(1 Coríntios 13:11)


Meu Mundo e Nada Mais
(Guilherme Arantes)
Quando eu fui ferido vi tudo mudar

                                 Das verdades que eu sabia só sobraram restos 

Que eu não esqueci toda aquela paz que eu tinha

Eu que tinha tudo hoje estou mudo, estou mudado

                                         À meia-noite, à meia luz, pensando: 

Daria tudo, por um modo de esquecer

Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz, sonhando:
Daria tudo, por meu mundo e nada mais

Não estou bem certo que ainda vou sorrir
Sem um travo de amargura
Como ser mais livre como ser capaz
De enxergar um novo dia?

Eu que tinha tudo hoje estou mudo, estou mudado
À meia-noite, à meia luz, pensando:
Daria tudo por um modo de esquecer


Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz sonhando: 
 Daria tudo por meu mundo e nada mais
***

Texto e canção dedicadas àqueles que de alguma forma foram feridos em nome de Deus e se identificaram com o conteúdo do post. Almejo que hoje estejam mais distantes do mundo utópico construído por alguns crentes e mais pertos da graça de Deus.